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Reajustes em série

17.04.2014

A conta de luz de cerca de 24 milhões de unidades consumidoras de nove distribuidoras do Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste ficará mais cara a partir deste mês. Os aumentos variam de 11,16% a 28,99% para residências e foram fortemente influenciados pelo alto custo da compra de energia, devido ao uso das térmicas e aos preços do mercado de curto prazo. Para as indústrias, a conta sairá ainda mais salgada. A gaúcha Uhenpal (Usina Hidrelétrica Nova Palma Ltda.), por exemplo, que fornece energia para 15 mil unidades consumidoras em sete cidades do estado, foi autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a elevar a tarifa da indústria em 35,7% a partir do dia 19 próximo. Os aumentos previstos não terminam aí. De acordo com o calendário da Aneel, ainda falta anunciar os reajustes de distribuidoras como Light, Celpe, Copel, Eletropaulo e Celesc, entre outras. O custo da energia comprada pelas distribuidoras aumentou substancialmente em razão de três fatores: o uso das usinas térmicas (mais caras), que começou no ano passado, para compensar a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas, a falta de contratos de longo prazo - que forçou as empresas a buscarem energia no mercado livre - e a assinatura de novos contratos de longo prazo com preços mais altos. No Nordeste, os aumentos de quatro distribuidoras - Coelba (BA), Coelce (CE), Energisa (SE) e Cosern (RN) - começam a vigorar no próximo dia 22. Elas fornecem energia para cerca de 10 milhões de consumidores. A tarifa de energia cobrada pela Coelba (BA) subirá 15% para as residências, enquanto para a indústria a alta será de 16,04%. Com a escalada dos preços da energia, a indústria passou a pagar a 10ª tarifa mais cara, num ranking de 28 países elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O custo do megawatt-hora (MWh) no país já chega a R$ 301,66. A Índia tem a energia mais cara da lista, a R$ 630,92. Mas o custo no Brasil supera em larga escala o da China (de R$ 201,48) e o da Rússia (de R$ 150,35). Os reajustes em série de distribuidoras - anunciados nos últimos dez dias - recaem principalmente sobre indústrias eletrointensivas, como siderúrgicas e de alumínio, mas terão impacto também no comportamento dos preços. O economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners, estima que os aumentos devem representar ao menos 0,28 ponto percentual na inflação deste ano. Segundo Velho, ainda há incerteza quanto à intensidade do uso de energia térmica, o que pode repercutir nas tarifas. O impacto a mais sobre os índices de preços ocorre no momento em que as projeções do mercado estão muito próximas do teto da meta de inflação do ano, de 6,5%. Na indústria de alumínio, a energia representa 42% do custo de produção. Mas o impacto desse aumento de tarifa vai depender do segmento em que cada indústria atua. Se a empresa está num mercado muito competitivo, terá que segurar o repasse de custos. Para fazer isso, pode precisar realizar cortes em outras áreas - destaca Tatiana Lauria, especialista em competitividade de indústria e investimentos do Sistema Firjan. ESTÍMULO AO CONSUMO Embora seja difícil mensurar o reflexo do aumento do custo médio da tarifa elétrica para a indústria, o insumo está entre os gastos mais relevantes para o setor, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil. O custo da energia já é um fator restritivo à competitividade. É evidente que, com o aumento, o efeito será de piora. A redução da tarifa, anunciada ano passado, não beneficiou a indústria do aço. As usinas atuam no mercado livre, onde a queda foi pequena - diz Lopes. O problema, segundo a especialista da Firjan, é estrutural, refletindo a política energética do país, a despeito dos investimentos em projetos de usinas hidrelétricas. - Mudar o foco de hidrelétricas com reservatórios para as usinas a fio d'água, por exemplo, exige maior uso de térmicas. É uma escolha para reduzir impacto ambiental. Mas tudo tem um preço. E o governo precisa deixar isso claro, explicitando como vamos usar a energia gerada e a que preço - diz Tatiana.] Para Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, a indústria e o consumidor residencial foram levados a investir num padrão de consumo de quando o país vivia outra situação. Segundo ele, o cenário de energia abundante, baseado no modelo hídrico, não condiz mais com a realidade porque o custo da distribuição é elevado. Além disso, exigências ambientais e sociais em áreas próximas a novas hidrelétricas, substituição de reservatórios por usinas a fio d'água e aumento nos prazos e custos das obras encareceram a expansão do sistema. Além da mudança de cenário, Frischtak ressalta que a entrada de milhões de brasileiros no mercado consumidor nos últimos anos foi acompanhada da compra de um grande número de eletrodomésticos, como televisores, geladeiras e aparelhos de ar-condicionado. Com estas mudanças, o consumo aumentou sem um avanço equivalente na geração de energia. O governo errou feio, e essa barbeiragem está custando bilhões de reais. Só estão autorizando os reajustes agora porque as contas públicas chegaram ao limite. Um grande equívoco foi a presidente ir para a televisão dizer: vamos baixar o custo da energia para todo mundo. Foi o mesmo que falar "consumam". As pessoas responderam e passaram a gastar energia a rodo. E, para piorar, foi um ano de verão muito quente, o que aumenta o consumo de energia e acelera a evaporação da água - diz Frischtak.

Autor: O GLOBO

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